18/03/09 - RAPOSA/SERRA DO SOL: Após 6 horas de leitura, ministro vota contra demarcação contínua

Postado por admin em mar. 18 2009 00:00:00

Após seis horas de leitura, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) votou hoje (18) contra a demarcação de forma contínua das terras da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Ele foi o único a votar contra. No julgamento de dezembro, quando o julgamento foi suspenso por um pedido de vista de Marco Aurélio, oito ministros haviam votado a favor da demarcação contínua de terra e à retirada dos não-índios da região - que são produtores rurais na sua maioria.

Ao longo de seu pronunciamento nesta tarde, o ministro expôs citações de chefes de Estado defendendo a internacionalização da Amazônia e defendeu que o “pano de fundo” envolvido na demarcação da Raposa Serra do Sol é a soberania nacional, “a ser defendida passo a passo por todos aqueles que se digam compromissados com o Brasil de amanhã”.

Ele apontou como “preocupante haver tantos olhos internacionais direcionados à Amazônia” e citou autoridades, como o ministro da Justiça, Tarso Genro, segundo o qual organizações não-governamentais estimulariam índios a lutar pela divisão do território nacional.

Para Marco Aurélio, é fundamental recomeçar o processo demarcatório na região ouvindo as partes e examinando os documentos.

Segundo Mello, a documentação examinada comprova a impossibilidade de destinar totalmente a região para os indígenas. Para o ministro, não houve informações suficientes nem as partes foram ouvidas da forma adequada.

"O tema impôs-me uma reflexão maior, em que pese não ter frutificado o pedido antecipado de vista --o qual resultaria no terceiro voto e não no nono-- em face da circunstância de os colegas que me antecedem na ordem de votação não haverem consentido", disse o ministro, que preparou um voto com 120 páginas.

Em seguida, Mello afirmou: "Paciência, o colegiado [numa referência aos ministros do STF] sempre reserva algumas surpresas. Nem por isso --a documentação o comprova-- deixei de debruçar-me sobre a momentosa controvérsia, procedendo como se fosse relator do processo, procedendo como se tivesse que veicular o primeiro voto no caso".


Ressalvas

Para o ministro, é fundamental ainda realizar uma audição de todas as comunidades indígenas existentes na área a ser demarcada e ouvir os posseiros e titulares de domínio consideradas as terras envolvidas.

Segundo Mello, é necessário também realizar um levantamento antropológico e topográfico para definir a posse indígena, tendo-se como termo inicial a data da promulgação da Constituição Federal (1988). Ele entende que os não índios que lá chegaram antes de 1988 têm direito de permanecerem no local.

Mello disse que devem ser preservadas ainda as áreas em que estão o 6º pelotão de fronteira, alguns equipamentos federais, a sede do município de Uiramutã (RR), as linhas de transmissão, o leito das rodovias públicas federais e estaduais.

Porém, o ministro afirmou que deve ser proibido o ingresso de não-índios ressalvadas as presenças de autoridades e particulares autorizados.

O julgamento é acompanhado por um grupo de 16 indígenas com rostos e corpos pintados --um dos homens pintou o mapa da região no peito e escreveu as palavras "paz" e "terra". As mulheres indígenas usam saias feitas de palha e vestem sutiã.


Maioria

A tendência é que a Suprema Corte confirme hoje a demarcação contínua da área e a saída de todos os não índios da reserva. Ainda votarão nesta quarta-feira os ministros Celso de Mello, que costuma elaborar longos votos, e Gilmar Mendes, presidente do STF.

A área que motiva a discussão reúne cerca de 18 mil indígenas de cinco etnias diferentes. Homologada, em 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a reserva fica na região fronteiriça do Brasil com a Venezuela e a Guiana.

No total há 1,7 milhão de hectares em discussão. A demarcação se transformou em foco de conflito e tensão envolvendo governo federal, governo estadual, igreja, indígenas e ONGs (organizações não governamentais).